quarta-feira, 2 de junho de 2010

INVISÍVEL

Este que vocês não vêem, é o nada, sim! Eu mesmo! A única coisa que possuo, é o lugar no espaço que ocupo. (aliás, que não ocupo!) Eu sou invisível. Não tenho rugas, não tenho sexo, nem sei ao certo se sou “o” nada ou “a” nada, porque não possuo genitais, e... (porra, também não preciso exagerar) Tá bom! Vamos pular esta parte! Não tenho amigos, não tenho emprego, não tenho identidade, não tenho desejo, não preciso ter uma relação amorosa para gerar alguém. Só sirvo pra fazer companhia em silêncio, quase uma prece. Mas, sinto falta de alguém ao meu lado, como unha e acne, eu e outro alguém invisível. Não tenho nome, não tenho bens, não tenho nacionalidade, nem me pareço com nenhum humano que se preze, se é que existe humanus que se preze. Apesar de ser nada, eu ao menos tenho e-mail! Também, hoje em dia qualquer Zé Mané tem! E pasmem: eu recebo pelo menos uns dez e-mails por dia! Detalhe: são apenas propagandas, correntes e mensagens de auto-ajuda! Estas últimas são as piores.
            - DE NOVO! VAI VÊ SÓ! VÔ RESPONDÊ ESSA AUTO-AJUDA! PARA: vocespecial@palavramiga.com > VAI MANDAR ESSA MENSAGEM DE AUTO-AJUDA PRA PUTA QUE PARIU. SOU UM NADA E NÃO ME ILUDO, JÁ ME CONFORMEI COM ISTO. AO CONTRÁRIO DE CERTAS PESSOAS. ASS.: NADA. BLOQUEAR REMETENTE... PRONTO!
Sabe como me chamam? Assoviam-me, chamam-me, melhor, dizem, “psiu”, “ow”, “coisinha”... Eu não vou todo serelepe, não sou cordeirinho, prefiro sumir repentinamente. Não existe som de invisibilidades, nem estética de nada e ninguém. Faz muito sentido pra mim. Por ser invisível, não falo, vomito sopa de letrinhas misturada com cerveja velha no tapete. Bebo para tornar-me mais vivível e interessante. Eu inexistentemente urino amarelo-fedido (uma necessidade fisiológica, psicológica talvez). Meu espaço é dentro da minha cabeça, dentro dos meus sete cantos reconhecíveis. Eu fico na minha, na minha casinha, no meu casulo invisível da minha imaginação. De vez em quando quero passear, mas não sou bobo, sei que não sei falar, nem em braile, nem sei palpar, muito bem sabendo que só existo mesmo na minha cabeça, não quero ir, faço pouco caso, sento-me e não saio, não vou, sou indisciplinado. Empaco. Parecendo um poste. Imagine, eu imagino: algo que não existe, andando por aí. Vão achar que estou louco. Mas eu sei o que estou fazendo. Sempre soube. Sei que o essencial é invisível aos olhos. Mas, às vezes revolto-me com toda a minha vida de “coiso”. Cada vez mais vejo a vida como um ciclo, a necessidade de falar sobre algo meio escondido, a necessidade de desabafar sem ter de ouvir respostas de personagens. Preciso de um olhar de piedade, de um cafuné, mas tenho medo de me chamarem de pidão, infeliz. Sou uma beleza, mas minha auto-estima está em baixa. Tudo bem, vou sair! Não tenho coisa alguma pra fazer mesmo. E vai ser agora! Quem sabe eu tenha sorte. Entrei em um lugar e descobri que era a noite do: “ELAS-ENTRAM-E-BEBEM-DE-GRAÇA-ATÉ-A-UMA-E-DEPOIS-NÓIS-ENTRA-E-AGARRA-TUDU-ELAS”. Sei lá, acho que isso não vai dá certo! Não adianta está cercado de gente agora, isso só faz me sentir pior. Pois entro em contraste com estas pessoas com tantos amigos, dinheiro e felizes. Mas... espere! O que é aquilo? Ou melhor, o que não é aquilo?
            - OI! É... QUEM É VOCÊ?
            - NADA!
            - ESPERE! EU SOU NADA! COMO PODE? (Que diferença isso faz quando se é ninguém?)
            - NENHUM CARA OLHA PRA MIM PORQUE EU NÃO TENHO UM CORPO ESCULTURAL, OU UM ROSTINHO BONITO!
            - EU SEI COMO É. E ALÉM DE NÃO TER UM CORPO ATLÉTICO, EU AINDA NÃO TENHO CARRO OU GRANA! PRA UM NADA MASCULINO ISSO PESA! MAS, NÃO TER UM CORPO, TEM SUAS VANTAGENS PRA VOCÊ! PELO MENOS VOCÊ NÃO SE PREOCUPA COM ESTRIAS E CELULITE!
            - É MESMO! PUXA! ACHO QUE É A COISA MAIS BONITA QUE ALGUÉM, DIGO! NINGUÉM ME DISSE!

Então, a gente aproveita para tomar iniciativas tão escondidas dentro de nós, que se tem a impressão que fugiu para sempre e se esqueceu. O tempo não repousa nunca. O que mais admira é a extrema delicadeza com que o tempo pratica essas violências. Aumenta de velocidade à medida que nos distanciamos de nossas origens. E quase pára quando o esperamos na solidão. O tempo é igual eu, invisível. Sozinho chegou um pensamento meio insistente, talvez fosse um relance de algo solto em minha memória, porém abandonei a possibilidade de ser algum compromisso com o passado. Voltei, estava literalmente perdido, será que isso era um ponto de volta ao meu ego interior? Seria o mesmo Eu gritando para me procurar? Formava-se uma conspiração dentro de mim? Nem eu sabia? Senti uma comichão em minha mente, era algo inevitável e inesquecível. Até que descobri que já eram seis horas da manhã e tudo não passava de um sonho psicodélico! Eu me distraio muito com a passagem do tempo. É um espetáculo todo íntimo e sem platéia. O que é preciso é nunca dormir e ficar atento para obrigar o tempo a disfarçar a evidência de suas transformações. O tempo tudo transforma e arrasa, sem nos dar aviso. Isso entristece. A não ser que nos misturemos com ele, façamos dele um aliado. Aí, sim, destruição e reconstrução se confundem. Perde-se até a idéia da morte. Para o tempo, destruir uma árvore, um rosto, uma instituição; tanto faz. Nessa hora dá um aperto no coração, uma nostalgia! Não se deve dá importância ao tempo. Ele corre de qualquer maneira. E é até possível que ele não exista. Seu propósito evidente é envelhecer o mundo. Mas a resposta ao mundo é renascer sempre para o tempo. É. Fazer o que? E assim vou vivendo com minha bengala de cego de nascença.

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